Marrocos

TOUBKAL: Montanha mais alta do Norte de África, sem planear.

Porventura não há um post nosso que dê mais sentido ao nome deste blog do que este.

Na nossa 2ª viagem a Marrocos em que percorremos o país TOTALMENTE de transportes públicos e táxi, decidimos ao fim do 3º dia subir à montanha mais alta do norte de África, o Jbel Toubkal.

Sem pesquisa prévia, apenas uma leitura rápida no wikipédia e informações recolhidas junto do pessoal da Riad Matham no dia anterior. Siga, nem é tarde nem é cedo, é agora.

Vinho Marroquino

   Era manhã bem cedo, depois de um farto jantar surpresa (Carla fazia anos) e, principalmente 2 garrafas de vinho…marroquino (sim há vinho marroquino) a cabeça estava um pouco pesada, mas nada que uma boa “caminhada” numa montanha de 4mil metros de altitude não resolva…

Despedidas da Riad cumpridas lá rumámos nós até à gare rodoviária de Marraquexe, afim de apanhar não um autocarro, mas sim um táxi até IMLIL que fica a cerca de 70km.

Foi dura negociação com o Táxi, mas chegámos a um preço por nós considerado justo. Poderíamos pagar menos se tivéssemos decidido partilhá-lo, mas não poderíamos esperar.

Porquê IMLIL ? Porque Imlil é a vila que serve como base principal a todos os montanhistas e caminhantes que pretendem subir ao Toubkal.

A caminho do Toubkal

Chegámos a Imlil já muito perto da hora de almoço, se não fossemos um pouco…100rota o que faríamos ? Almoçar, descansar, pernoitar, e no dia seguinte sairíamos bem cedo para conquistar o “monte”. Mas qual quê ?? Somos 100rota e somos a Carla e o Francisco, almoçamos e subimos !!

   Imlil está completamente “feita” para acolher e orientar os caminhantes que por aqui andam, e são bastantes. Irá ser assediado se não tiver guia para comprar os serviços de um, se não quiser, basta dizer que não e siga em frente.

 

Achámos fácil encontrar o caminho, basta perguntar a alguém que não esteja a vender os seus préstimos como guia, senão vai ficar a saber que você não sabe, e não irá largar enquanto não o contratar, pergunte ao vendedor de uma loja ou mesmo no restaurante, ou então não pergunte nada, e siga o instinto, ou por último e talvez uma boa opção pergunte aos outros caminhantes que venham em sentido contrário.

Se quiser pernoitar aqui não faltam soluções, contudo poderá sempre dar uma olhadela prévia no site Booking.

Almoçar sim, isso era necessário, e pretendíamos encher bem a barriguinha para subir, subir !!Há muitas opções, normalmente eles têm sempre as Tagines na rua a cozinhar, o que dá um aroma bestial na rua. Escolha aquele que lhe parecer ser melhor no seu critério.

O nosso objectivo seria alcançar o refúgio ao fim do dia que fica situado já quase no cume e pernoitar aí…

 

Escolhemos um pequeno restaurante de rua mesmo antes de iniciar o percurso já quase á saída da vila. Não nos arrependemos mesmo nada, pagámos 6€ por duas Tagines maravilhosas de carne de vaca !!

   Pode-se dizer que rapámos tudinho!!

Nestes locais não vale a pena pensar muito de “onde vem isto”, de “onde vem aquilo”, “será que foi lavado”, “será que não foi…” Desde que esteja cozinhado e beba água engarrafada tudo bem, nunca ficámos doentes em Marrocos, tenha só cuidado com a água e com ovos, de resto tudo ok.

Agora a sobremesa, bem mais custosa, que é a nossa aventura montanha acima. Pé ante pé lá vamos nós.

Aldeias de montanha

   Ainda não tínhamos meia hora de percurso já estávamos fascinados com este dia. Rodeados de altas montanhas e pequenas aldeias por ali espalhadas, ecoam pelos vales fora as orações das mesquitas, foi um momento especial vivido por nós ali dois sozinhos pequeninos no meio daquela grandiosidade.

Acontecesse, o que acontecesse já não tínhamos dúvidas que tinha valido a pena vir até aqui.

   Estávamos bem. Os primeiros km’s são em bom piso e subida pouco acentuada. Mas não há bela sem senão. Após esta primeira fase segue-se até uma descida que nos leva ao leito de um rio. Aqui é plano um bom par de kms, a dificuldade maior vem de seguida.

   Estamos num vale, e como vale que é,  é um vale fértil, serve para os habitantes destas aldeias próximas fazerem seus cultivos. Reparámos sobretudo que havia muitas árvores de fruto, nomeadamente macieiras. Que bom !! Servia de sobremesa e de escova de dentes !!

Maçã vermelha
Maçã amarela, é só escolher !

Continuamos, apesar de ter bastantes pedras o percurso aqui é plano. Avistamos cada vez mais caminhantes, não detetamos portugueses. Reparamos também que muitos marroquinos descem com suas mulas carregadas de mochilas, calculamos ser dos caminhantes que na descida e na subida contratam os seus serviços.

   Estamos no início de  Setembro mas o dia está bom, e aqui o dia estar bom é estar encoberto e sem muito calor, à medida que vamos subindo a temperatura no entanto desce.

A fase que nos custou mais foi desde o final do leito do rio, é verdade que é uma parte curta mas bem difícil, a inclinação é brutal e o caminho está cheio de pedras. Foi duro, mas ultrapassámos, temos praticamente 2h de percurso feito de um total de 5h/6h até ao refúgio a andar bem.

   Começámos a perceber que não chegaríamos ao refúgio neste dia. Esta parte da caminhada revelou-se difícil e parámos bastantes vezes para descansar. Será que haveria mais algum sítio para dormir ?? Já não víamos ninguém a subir…só a descer…

Conseguem ver lá ao fundo?? Vão a descer..

   Estamos a chegar ao fim da tarde, 4h de caminho e não sabemos onde vamos dormir ainda, questionamos se não será melhor voltar para trás, o problema é que se voltarmos para trás vamos provavelmente apanhar a noite e não temos luz artificial, decidimos então avançar mais um pouco.

   As aventuras são assim mesmo, roçam o risco, e aqui estivemos à beirinha de dormir ao relento que era o pior dos cenários.

   Mas não foi preciso, ao dobrar de uma “esquina” da montanha avistamos um lugarejo, alívio foi o que sentimos, pelo menos telhado iríamos ter, nada mais importava.

Sidi Chamarouch

   Esse lugar é Sidi Chamarouch. Pelo que percebemos é apenas um local onde foram construindo pequenas lojas e sítios para comer, ou seja é uma base de apoio aos caminhantes, e que devido à distância das aldeias os comerciantes acabam por dormir ali.

Não deixa de ter uma Mesquita, e bem interessante !
Não desesperes Carla !! Estamos a chegar…a Chamarouch.

   Sendo isso ou não, estávamos safos. Ainda por cima notámos bem a diferença de temperatura assim que o sol se pôs, é que já estávamos bem alto, perto dos 3mil metros.  Descobrimos que não havia aqui alojamentos tipo pousada, ou quartos propriamente ditos, só mesmo no refúgio…”Oh my god…” já não tínhamos tempo de chegar ao refúgio !

   Agora restava-nos falar com alguém para nos dar guarida em jeito de caridade. Em último caso pernoitaríamos na Mesquita (apesar da proibição de estrangeiros entrarem em mesquitas).

  Com alguma insistência lá descobrimos um senhor que tinha uma espécie de quarto…mas era um quarto especial, tinha sido (suponho) curral das cabras, adaptado agora a quem necessitasse de apoio urgente, o que era o caso.

   Tinha muitas mantas já usadas, creio, centenas de vezes… o frio era o mesmo que cá fora, à excepção do telhado que evitava cair orvalho para cima de nós.

   Dormimos bem agarradinhos, ou melhor estivemos ali bem agarradinhos, cheios de frio !! Adormecíamos devido ao cansaço e acordávamos logo de seguida devido ao frio, e foi assim a noite toda. Que brutal experiência ! Não poderia ter sido mais romântico.

Entrada do nosso resort de montanha !
Bem bom, o nosso quarto !

   Apesar do cansaço estamos felizes, é outro dia, sobrevivemos! Ainda nem amanheceu totalmente e já estamos de partida. Queremos aquecer o corpinho, e a melhor forma é andar, e andemos !!

   Está tudo a dormir ainda, excepto as cabrinhas que por ali vagueam. Temos a barriga vazia, a tagine já se foi há muito. Seguimos caminho, para cima pois então ! Somos portugueses, somos rijos !

   Andamos um pouco, e à saída de chamarouch paramos num local que nos parece ser um sítio bom para comer algo, tem um senão, o senhor ainda está a dormir.

Restaurante Robin Hood, no Toubkal…

   Esperamos um pouco a ver se ele acorda, ouvimos lá dentro o seu ressonar através de uma porta de ferro.

   Depois de uma longa espera e com o estômago vazio, perdemos a vergonha e batemos à porta. O senhor responde, manda-nos entrar num francês melhor que o nosso. Entramos e explicamos o caso, ele ainda com olhinhos de sono, compreende, e simpaticamente oferece-nos chá, e pão com azeite. Queremos pagar mas ele não aceita. Deixámos uma nota sem ele se aperceber, não faz mal, há gestos que merecem o nosso agradecimento seja de que maneira for, e essa foi a melhor forma por nós considerada na altura.

   Pomos “pés à obra”. Carla está melhor do que eu !Aqui é a subir mas nem por isso muito acentuado. O sol finalmente já espreita através das montanhas. E dizemos finalmente porque depois de uma noite daquelas cheios de frio queríamos aquecer com o solinho! E se aquecemos!

   Tudo vai bem. Sim, tudo vai bem, até ao momento em que Carla que estava cheia de força e sofre um revés. Uma mula cruza-se connosco, Carla distraída a olhar para a paisagem e eu para outro lado não nos apercebemos da aproximação de uma mula cheia de pressa a descer. Conclusão, acidente ! A mula toca por trás Carla com os seus cestos, e Carla tropeça e bate com o joelho mesmo em cheio numa esquina de uma pedra…

Cuidado com as mulas a alta velocidade !! Não foi esta mas poderia ter sido !

   Paramos. Carla fica queixosa. Pois é, temos de regressar, não dá mais para subir, Carla está bem dentro do possível, mas para uma subida desta exigência poderá agravar uma eventual lesão.

   Damos meia volta e estamos a descer de novo. Carla tem um pouquinho de dores mas na descida aguenta bem.

Força Carla !

Apesar da lesão andamos depressa, alivio a mochila da Carla fazendo eu de mula e avançamos a bom ritmo.

É impressionante a diferença de tempo que se demora entre subir e descer, a descer fizemos tudo em pouco mais de 2 horas, incrível.

   Quando damos conta estamos de volta ao vale das “maçãs”. Agora já com os pés bem quentinhos e bem a tempo de um bom repasto de novo em Imlil para recarregar baterias.

   Não nos arrependemos nem um pouquinho destes 2 dias, foi uma experiência e tanto apesar de não atingirmos o cume, fica para a próxima, assim teve mais piada.

   Pesquisamos sempre tanto previamente sobre os locais a visitar, que por vezes chegamos lá e não acontece nada…ficamos sem histórias para contar, apenas dizemos que fomos aqui ou ali , não há imprevisto e os imprevistos por vezes criam-nos histórias para contar. Ou então defraudamos as expectativas, ou no mínimo não nos impressionamos com nada ,até porque já o nosso cérebro processou informação e avaliou o local, mesmo que inconscientemente.

   Evitamos isso agora, esta é a nossa forma de viajar, pesquisamos só o estritamente necessário, assim obriga-nos a descobrir ao vivo. Evite saber tudo e mais alguma coisa, ver vídeos ou fotos, ou o melhor sítio para comer, ou dormir, isso é tudo relativo e depende dos nossos estados de espírito. Tire dicas sim até porque senão não lê blogs do género hehehe, mas dentro do possível, vá e deixe-se levar.

O próximo post será acerca de uma ida ao deserto do Sahara de… Renaul clio, até já !!

22 Comments

  • Reply

    Rui Baptista

    1 Outubro, 2016

    Este é o verdadeiro post que espero de quem viaja 🙂 Muitos parabéns! Divertido, informativo, imprevisível. E, se o escreveram, é porque sobreviveram :))) Não entendo o vício de programar tudinho e as 507 dicas para ir aqui e ali, como se todos fossemos uns atadinhos 🙂 Muitos parabéns, gostei mesmo muito! 🙂 Se um dia se perderem pelo Porto, “apitem”.

    • Reply

      projecto100rota

      1 Outubro, 2016

      Obrigado Rui ! Ainda bem que conseguimos passar a mensagem, somos assim de facto, não que não venha a fornecer algumas dicas mas nós gostamos de descobrir por nós mesmos. Mas compreendo que haja pessoas que quando vão para um local desconhecido gostem de ter tudo calculadinho. Nós costumamos apenas pesquisar “muito pela rama”, como se diz, abraço ! Quando estiveres por Leiria apita também !

  • Reply

    Débora Resende

    1 Outubro, 2016

    Um lugar diferente e bem simples, mas que com certeza rendeu boas experiências e historias pra contar. Adorei conhecer um pouquinho 🙂 Não sou muito de subir montanhas, então adoro ver pelos posts rs

    • Reply

      projecto100rota

      1 Outubro, 2016

      Hahaha “ler” as montanhas é mais fácil sim !

  • Reply

    Isabela Bastos

    1 Outubro, 2016

    Uau! Que experiência!! Não sei se teria coragem!
    Mas já deixo aqui meus parabéns pela aventura!
    Me senti lendo um livro daqueles que tr impulsionam e vc quer logo chegar no fim.
    Deve ter sido um momento incrível!

    • Reply

      projecto100rota

      2 Outubro, 2016

      Claro que teria coragem !A viajar assim ficamos quase sempre com mais momentos deste para contar.

  • Reply

    Contramapa

    2 Outubro, 2016

    Olá Carla e Francisco!
    Que aventura brutal! Já fui a Marrocos, mas foi há 10 anos e não visitei a montanha Jbel Toubkal. Mas gostei muito de ler a vossa aventura, as coisas nem sempre acontecem como o planeado e nem sempre é mau haverem percalços! É só pena não terem chegado ao cume… mas assim há uma razão para voltar, não é assim?

    Beijinhos!!

    • Reply

      projecto100rota

      2 Outubro, 2016

      É isso mesmo ! Aqui não correu mesmo como planeado porque…não foi planeado hahah mas gostamos assim, planear demasiado, dá me a sensação de um maior aprisionamento- beijinhos !

  • Reply

    Karine Porto

    2 Outubro, 2016

    Concordo com você! Muito planejamento pode aprisionar a experiência real da viagem em um mar de expectativas desnecessárias. Nada como se deixar surpreender, mesmo que seja com apertos! Amei a aventura de vocês!!

    • Reply

      projecto100rota

      2 Outubro, 2016

      Ainda bem que gostou Karine ! Boas viagens !

  • Reply

    Filipe Morato Gomes

    2 Outubro, 2016

    Cuidado com os riscos que correm, principalmente em ambiente de montanha. Uma certa dose de aventura é saudável e até desejável, mas tenho um enorme respeito pelas montanhas e acho que não devemos facilitar. Mesmo. Dito isto, gostei muito de ler este post, não lhe falta emoção! Grande abraço e continuação de boas viagens. 🙂

    • Reply

      projecto100rota

      2 Outubro, 2016

      É verdade Filipe, aqui sabia sobretudo que as condições climatéricos não se iriam alterar muito e que havia um refúgio quase a 4000 metros. Foi só isso que pesquisamos hahaha. Ainda bem que gostaste, ficamos felizes !

  • Reply

    Mariana Araújo

    2 Outubro, 2016

    Essas aventuras desprogramadas são sempre as melhores, quando não se sabe muito bem o que esperar. Sobreviveram e com muita coisa para contar.

    • Reply

      projecto100rota

      2 Outubro, 2016

      é isso mesmo Mariana, nós preferimos não programar, pelo menos tudo ao pormenor.

  • Reply

    Eu sou completamente apaixonada por Marrocos. E também gosto de me deixar levar, sem programa rígido. Já lá estive algumas vezes mas esta parte que falam no artigo ainda me falta conhecer. Obrigada pela informação.

    • Reply

      projecto100rota

      3 Outubro, 2016

      Já somos 3 Catarina, tão perto, tão diferente…e tão idêntico. Boas viagens !

  • Reply

    Giulia

    3 Outubro, 2016

    Parabéns pela valentia!!! Muito lindo o relato e as fotos (adorei a cabra pousando, kkk). Fico curiosa do vinho marroquino, será q e bom?

    • Reply

      projecto100rota

      3 Outubro, 2016

      Olá Giulia sim gostámos do vinho, o clima pelo menos dá para fazer bons vinhos no norte. Ainda bem que gostou do post !

  • Reply

    Pedro Henriques

    3 Outubro, 2016

    Grande aventura essa! Mas são estas viagens feitas de improvisos que desfrutamos mais dos momentos, da companhia e dos destinos. Parabéns pelo artigo e pelas fotos!

    • Reply

      projecto100rota

      4 Outubro, 2016

      Ainda bem que gostou Pedro, é esse o espírito hehehe !

  • Reply

    Luiz Jr. Fernandes

    3 Outubro, 2016

    Post espetacular! deu muita vontade de conhecer esse lugar. Eu sou suspeito para falar sobre destinos africanos, pois realmente os considero “the real deal”, contudo é realmente fantástico o quão distintos podem ser cada um dos lugares africanos escondidos do buzz turístico não é mesmo!? Abração!

    • Reply

      projecto100rota

      4 Outubro, 2016

      É isso mesmo Luiz ! Abração !

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