A Nossa Maior Viagem

A NOSSA MAIOR VIAGEM

A NOSSA MAIOR VIAGEM

Parece estranho começar um artigo sobre viagens com uma foto de sapatos, e ainda por cima sapatos sujos. No entanto estes sapatos sujos simbolizam momentos de felicidade pura que senti ao chegar a casa e “olhei” para este calçado já mal cheiroso.

Mas que tem isto a ver com viagens ?Para mim, tudo. Se repararam, do lado esquerdo está um par pequenino, e é o “dono” desse  par pequenino o culpado deste artigo e muito provavelmente da existência deste blog.

Voltando atrás, o ano de 2016 foi um dos anos em que não fizemos uma grande viagem, mas foi o ano em que concretizamos “a nossa maior viagem”. Sim concretizámo-la, porque esta viagem esteve a ser “preparada”durante longos e penosos 4/6 anos.

Penosos ? Sim foram penosos. Penosos ao ponto de desistir, baixar os braços e esperar…tivemos força suficiente para esperar pelo menos, e todos os dias agradecemos, e naquele dia em que cheguei a casa e vi os sapatinhos, agradeci, senti felicidade e pensei “sou um privilegiado”.

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O ser humano é mesmo assim, dá mais valor a algo quando tem mais dificuldade em obtê-la, mas também por norma com o passar do tempo e com o stress e pressões profissionais que nos preenchem o dia a dia contemporâneo, depressa tudo isso se desvanece e deixamos de agradecer. Eu quero agradecer TODOS OS DIAS o PRIVILÉGIO de poder ter tido um filho. E não quero que desvaneça nem um pouquinho essa forma de estar.

Nesta “nossa viagem” tivemos de andar constantemente de mãos dadas metaforicamente (ok, ás vezes literalmente) ou nunca aqui falaria em “nós” mas só no “eu”.

Depois de uma vida a desejar ter filhos, fazer casa a pensar nisso e imaginá-lo nos nossos sonhos, brincadeiras, imaginar que um dia (fosse menina ou menino) me poderia acompanhar a ver um jogo do Benfica, tal como meu pai fez comigo…enfim todas essas situações que à partida parecem ser…rotina.

A dado momento depois de já quase 3 anos em busca ser confrontado com um redondo, e seco, “VAI SER MUITO DIFÍCIL…” neste momento quase tudo tinha desabado à nossa volta e no nosso interior.

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Sempre fui de exteriorizar mais o que sinto. Carla não. Sei que Carla estava a sofrer tanto ou mais do que eu. Só nos tínhamos um ao outro, tínhamos de nos unir, ainda mais.

Carla enfermeira trabalhando por turnos a 1h de casa, eu, GNR trabalhando em Lisboa e fazendo uma viagem quase diária de 2h de carro (cada sentido) para estar ao pé da família, ou seja com ela o máximo de tempo possível. Olhando para trás penso ainda que não sei como aguentámos, Somos fortes. Mais fortes do que sempre julgamos.

Eu andava de rastos, psicologicamente e fisicamente (devido às viagens). No trabalho ninguém faz ideia do que estava a passar, conto a um ou outro colega mais próximo mas…serve só para descarregar, já é bom. Comecei a ter um rendimento muito fraco no meu trabalho. Precisei de me ausentar e pedi licença sem vencimento 1 ano, já vou no segundo. Carla continuou rija como sempre por fora mas por dentro a corroer-se. Ela “parece” mais forte do que eu.

Iniciaríamos entretanto os tratamentos de fertilidade, aumentou um pouquinho a esperança. Fizemos 4. No final de cada um em que o resultado era negativo mais uma farpa se espetava no nosso coração. Depois do quarto tratamento negativo decidimos, acabou. “Isto é angustiante demais”. Era o que pensávamos, e ainda hoje penso que não continuaria naquilo. Quatro anos daqueles bem looongooos nesta via sacra.

Todos os dias em que acordava o objectivo era inventar esquemas mentais para me sentir melhor no dia a dia. Dava comigo a pensar: “O que fiz eu para ter de passar por isto também?”. Doloroso. Apesar de não ser seguidor religioso fui algumas vezes à igreja. Mesmo sem a Carla saber, senti que precisava de me agarrar a tudo e mais alguma coisa senão caía e precisava de força para segurar  Carla também. Muita revolta até começar a mentalizar-me de que não estava assim destinado e que porventura algum bem pudesse surgir desta situação.

Começámos a fugir de encontros com amigos que tivessem bebés ou crianças, apesar de estarmos felizes por eles terem sido papás, custava-nos muito cá dentro, esperamos que tenham compreendido. Até da rua chegámos a ter medo. tudo nos fazia lembrar bebés…Estávamos a ficar sufocados. Parecia que nada nem ninguém conseguiria viver sem ter filhos. Começava a não fazer sentido.

Felizmente na nossa família mais chegada nunca houve “aquela pressãozinha” de perguntar: “Então, nunca mais vem um filhinho”? Aí teria sido desastroso.

Íamos aliviando o dia a dia com fins de semana fora, longe de tudo, só nós. Sem conhecidos. Fomos aguentando. Marcámos uma viagem grande.

Viajámos. Fomos ao Irão, nunca esquecendo, por momentos sentimos alguma liberdade. Afinal, não somos obrigados a nada, na minha opinião não há desejo/objectivo/sonho algum que justifique tamanho sofrimento para alcança-lo, temos uma vida a dois para viver, pensei. Foi este pensamento chave que nos fez ficar de pé, não estamos juntos para ter filhos, estamos juntos porque até é fixe estarmos um com o outro, e se formos analisar até nos amamos…

Entretanto estando eu de licença sem vencimento  tivemos tempo também para abrir um estabelecimento comercial a A Cooperativa, Mercearia&Tasca. Foi a continuação desta longa viagem, mais stress, mas stresss do bom, serviu também para desviar um pouco o pensamento.

Foi o nosso “primeiro filho”. E ainda é. O nosso primeiro projecto.

O segundo esse… apareceu que nem um raio de sol no meio daquelas nuvens negras que pairavam sobre nossas cabeças há anos, já estava a caminho, “naturalmente”…. Este era de carne e osso. Não tinha nome ainda, mas iria ter mais tarde…

 

Neste ano “houve Natal” em nossa casa ao contrário do ano anterior em que a penumbra e as nuvens negras se apoderaram do nosso espírito. Não sou religioso, mas houve qualquer coisa, chamem-lhe milagre, chamem-lhe o que quiserem, mas tive o PRIVILÉGIO de ser Pai. Ele está grande tem 1 ano e pesa quase 11kg. Aqueles sapatinhos lá no início já não lhe servem, dorme pouco de noite é verdade mas…prefiro assim.

Continuo de licença sem vencimento sou um sortudo, passo muito tempo com ele. Talvez vá passar menos em breve devido à possibilidade de colaborar com uma agência de viagens de aventura, a Landescape. Não sei ainda se retorno à GNR, tudo isto me fez crescer muito, o dinheiro não é o mais importante e a estabilidade é uma coisa…relativa.

Preciso de pouco para viver, penso mais no meu filho agora, mas também penso que se eu estiver bem ele também estará melhor. As pressões do “ter isto ou aquilo” cada vez são maiores, mas será que vou ceder a isso ? Não sei. Viajantes como o Filipe Morato Gomes do Alma de Viajante tem me inspirado a trilhar o meu caminho. A não ser que ganhe a lotaria nada se consegue sem esforço, e assim é que tem piada ! Tudo passa rápido, tudo é efémero.

Aquilo que mais desejo passar ao meu filho, não são casas, carros, ou uma conta bancária recheada, desejo passar-lhe valores que considero úteis para viver neste mundo, como a solidariedade, a tolerância pelo outro, muito disso aprende-se…VIAJANDO. Gostava que ele pudesse viajar comigo, ver o que eu já vi, falar com quem eu já falei, e descobrir comigo. Sim, gostava, não digo quero, porque nada nesta vida é um dado adquirido, agradeça, eu estou a tentar fazê-lo todos os dias.

27 Comments

  • Reply

    Giulia Sampogna

    14 Janeiro, 2017

    Que história sofrida, mas o final feliz compensa né? Espero que você possa mostrar muitas coisas para o seu filho é que a família de vocês seja cada vez mais completa. Felicidades!

    • Reply

      projecto100rota

      14 Janeiro, 2017

      A vida é mesmo assim de sofrimentos e alegria ! É preciso é viver ! Boas viagens!

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    Contramapa

    14 Janeiro, 2017

    Que história incrível! Fico feliz de tudo ter corrido bem e conseguirem ter tido o vosso filho. Não imagino o sofrimento! Que 2017 seja um ano ainda melhor para ti e para a Carla!

    • Reply

      projecto100rota

      14 Janeiro, 2017

      Obrigado Diana, boas viagens !

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    Marlise Vidal

    14 Janeiro, 2017

    Que texto lindo Francisco, principalmente quando escrito pelo homem que nem sempre faz questão de ser pai.
    Entendo perfeitamente o que vocês sentiram mas no meu caso, infelizmente, parece que o final não será tão feliz quanto o seu.
    Parabéns!!
    Abs, Marlise

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      projecto100rota

      14 Janeiro, 2017

      Força Marlise ! Tudo de bom.

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    Fábio Junior Alves

    14 Janeiro, 2017

    Que lindo, ficamos muito felizes com vocês estando a realizar seus sonhos e objetivos. desejamos tudo de bom e um mundo de descobertas em família!

    • Reply

      projecto100rota

      14 Janeiro, 2017

      Obrigado Fábio !

  • Reply

    Maria ´João Proença

    14 Janeiro, 2017

    Fico feliz por terem conseguido concretizar o vosso sonho. Que o pequenito tenha a resiliência e o espirito aventureiro dos pais e que o mundo seja o seu maior professor! Beijinhos e boas viagens!

    • Reply

      projecto100rota

      15 Janeiro, 2017

      O pequenito para já promete hahahaha, obrigado Jo ! Boas viagens !

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    Marlene Marques

    15 Janeiro, 2017

    É mesmo isso: é preciso continuar sempre de cabeça erguida e não deixar que a vida nos deite abaixo. Mesmo que por vezes seja muito difícil. Ainda bem que tudo correu bem para vocês. Felicidades e boas viagens a três!

    • Reply

      projecto100rota

      16 Janeiro, 2017

      Obrigado Marlene, boas “surfadelas” !!

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    Ana Cristina

    15 Janeiro, 2017

    Li e reli……
    Emocionante texto…sincero e puro!
    Muitos parabéns pela vossa força e coragem de nunca desistir. Vocês são o melhor exemplo para o vosso filhote…..
    Carla,minha ex colega de turma…és uma grande mulher!
    Beijinho

    • Reply

      projecto100rota

      16 Janeiro, 2017

      Obrigado Ana, quisemos partilhar para outros sintam que não estão sozinhos neste assunto. Beijinhos !

  • Reply

    Karine Porto

    15 Janeiro, 2017

    Parabéns pela chegada do tão esperado filho de vocês! As vezes a vida nos leva por caminhos árduos que nem sempre compreendemos. Que bom que vocês tiveram um final feliz e podem desfrutar da alegria de ter o pequeno nos braços! Parabéns!

    • Reply

      projecto100rota

      16 Janeiro, 2017

      Obrigado Karine, boas viagens !

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    Vaneza Narciso

    16 Janeiro, 2017

    Que relato emocionante! Para mim, deixa uma lição para todos nós: alcançar um objetivo não é facil! Esta viagem não termina tão cedo e lhe trará muitas alegrias. saúde e paz para sua família.

    Abraços!

    • Reply

      projecto100rota

      16 Janeiro, 2017

      é isso mesmo Vaneza, a viagem só agora começou !Obrigado e boas viagens !

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    Luiz Jr. Fernandes

    16 Janeiro, 2017

    Parabéns pelo relato! São histórias assim que nos motivam a persistir 🙂 Abração!

    • Reply

      projecto100rota

      16 Janeiro, 2017

      É isso aí Luiz, Abraço e boas viagens !

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    Sónia

    16 Janeiro, 2017

    Emocionada… As boas pessoas têm sempre boas surpresas, embora às vezes não no timing que queremos e quase exigimos. A Vida é um grande mistério e ainda bem!
    Que agora recomecem novas viagens, grandes ou pequenas, não interessa, pois serão com toda a certeza mais ricas, luminosas e com significado especial :), um significado que será passado a outra geração, ao vosso lindo e amado filho.
    Um grande xi coração aos três

    • Reply

      projecto100rota

      19 Janeiro, 2017

      Beijinhos Sónia.

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    Pedro Henriques

    16 Janeiro, 2017

    Parabéns amigos! O ano de 2016 também foi muito especial para mim porque também vi nascer o meu filho e sei bem o que são esses sentimentos! Mas sim, é a maior das nossas viagens!

    • Reply

      projecto100rota

      19 Janeiro, 2017

      Grande abraço Pedro viajante !

  • Pingback: #47 Uma fotografia por dia... "A maior viagem" | Viaje Comigo

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    Filipe Morato Gomes

    19 Julho, 2017

    Cheguei aqui via twitter, comecei a ler a história com grande interesse, e mal sabia que encontraria uma referência à minha pessoa. É um dos maiores prazeres do meu trabalho, descobrir que, de vez em quando, tens um impacto positivo na vida de alguém. 🙂
    De resto, que é o mais importante, muitos parabéns por essa grande conquista – é de facto uma grande viagem.
    Grande abraço e até breve, algures pelas estradas desse mundo.

    • Reply

      projecto100rota

      19 Julho, 2017

      Abraço Filipe, muito obrigado, acredita que estás na origem de um muuuuuito provável virar de página na minha vida muito em breve. Significa muito para mim e dá me mesmo coragem ler-te e ver o teu trabalho.

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