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VIAJAR NO SUDÃO | Um passeio de bicicleta em KASSALA | Visitar Kassala

Mesquita KHATMIYAH nos arredores de Kassala

KASSALA é uma cidade situada no sudeste do SUDÃO relativamente perto da fronteira com a ERITREIA. É uma cidade recente (fundada no séc.XIX) mas independentemente disso, visitá-la fez-me recuar no tempo.

Dentro do pouco turístico que é o Sudão, Kassala fica quase sempre de fora nos poucos roteiros existentes, talvez por ficar um pouco “fora de rota” ou quiça por não ter…pirâmides. Não tem pirâmides mas tem povo, tem muita vida, e um lugar que me parecia bastante misterioso, a Mesquita KHATMIYAH no sopé das montanhas TAKA.

Foi uma longa viagem desde a capital sudanesa, KHARTOUM. O autocarro era bom e até tinha ar condicionado, a estrada é que não acompanhou a evolução móvel. Apesar de asfaltada os solavancos eram constantes. Foram longas 7h de baloiço forçado. Valeu que logo à chegada a paisagem à minha frente indiciava bons momentos nos próximos dias.

Como o descampado a que chamam terminal rodoviário está afastado da cidade, não me restou alternativa senão apanhar um táxi até ao hotel. Nunca o taxista tinha visto um turista!! Reparei que o senhor ficou tão orgulhoso em transportar-me, que fiquei “meio sem jeito”-como dizem os nosso irmãos brasileiros. Como devem imaginar esta viagem de pouco mais de 5km foi uma odisseia. Primeiro encontrar o hotel, depois, histórias, perguntas e mais histórias…tudo num sudanês que deveria ser perfeito!!

Lá encontrado o HOTEL HIPTON -pelo qual tanto ansiava, devido às boas referências lidas– foi hora de descansar e sobretudo usufruir das boas condições de higiene que este hotel providenciava. O primeiro em condições, depois de quase 2 semanas a dormir em sítios…mais baratos.

No dia seguinte acordei cedo e fiz-me à cidade. Notei de imediato ser uma cidade sobretudo de comércio. Nomeadamente comércio de cereais. Apercebi-me de um grande celeiro existente mesmo na rua que desembocava no meu hotel, onde chegavam os produtores que depois aguardavam pela sua moagem.

Reparei também que nas proximidades do hotel muitos homens dormiam debaixo dos “camiões” esperando a sua vez para serem atendidos, calculo que por serem de longe. Um pouco como se fazia antigamente por aqui na minha terra. Ir a LEIRIA ao mercado? Só uma vez por semana.

Nem sequer posso afirmar que há um “souk” ou mercado propriamente dito, tudo aqui era “souk”, tudo era mercado. Como devem calcular não vi muitos turistas por aqui. Aliás de ocidentais apenas o que vi em 3 dias foi um jipe da ONU estacionado na rua mas e nem vi quem eram os ocupantes.

Muitos locais interagiam comigo, perguntando-me de onde era, e mais uma vez CR7 salva a honra do convento. Os braços estendem-se e os sorrisos rasgam-se.

É muito disto que Kassala tem para me oferecer e eu não me importo nada, bem pelo contrário, deixo-me estar muito satisfeito com isso. Sentar-me a conversar com esta gente foi mesmo um dos pontos altos de toda a viagem. Mesmo que algumas vezes não entendesse patavina do que diziam, alguns assuntos são de linguagem era universal. Ria-me, eles riam, gesticulavam muito e eu também, foi uma festa.

No dia seguinte e após umas compras num mini mercado da esquina do hotel, reparei que o dono tinha sempre uma bicicleta à porta. Ahmed de seu nome notou que a estava a contemplar e sem demoras disse-me que podia usá-la quando quisesse. Àquela hora já estava muito calor e optei por continuar a vaguear pela cidade, mas disse-lhe que ao final do dia e antes de fechar era “gajo para aceitar”.  

ABAIXO PODEM VER VÍDEOS DO MEU PASSEIO DE BICICLETA PELO SUDÃO:

Assim fiz. Num final de tarde épico percorri o centro de Kassala e arredores até chegar bem perto das montanhas Taka -que avistei à chegada- e da mesquita KHATMIYAH. 

Foi uma sensação única de liberdade a viajar, nunca tinha sonhado ou imaginado que um dia iria passear de bicicleta pelas ruas de uma cidade no Sudão, a poucos quilómetros da Eritreia. A repetir seja em que destino for.

O pôr do sol,  as montanhas, a mesquita de origem sufi e ao lado na aldeia as crianças a jogar à bola e a andarem na “minha” bicicleta – eu a rezar para que não a estragassem pois tinha de a devolver inteirinha à procedência. O cenário estava montado para um entardecer de sonho.

Ainda por cima tudo aqui já me cheirava a África profunda. Aquela África que está no nosso imaginário e isso fez-me passar aqui muito mais tempo que devia, pois para voltar já o fiz de noite.

O turista Yemenita e uma mulher sudanesa

Nos “entretantos” um turista Yemenita…“sim Francisco”, porque não? Pensei. Pede me para tirar uma foto com uma sudanesa que por ali andava a varrer o chão de areia. Anui sem quaisquer tipo de hesitação e foi lindo. Ainda mais lindo perceber que ficaram os dois a conversar durante bastante tempo.

Todas aquelas imagens, preconceitos, deitam-se por terra em poucos minutos. Num mundo em que cresce DE NOVO o separatismo, as diferença, o nacionalismo, assistir a isto no Sudão deixa-me alguma esperança na humanidade. Posso só estar a exagerar, não sei.

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A MESQUITA KHATMIAH

A mesquita KHATMIYAH é um dos complexos mais importantes dos muçulmanos sufis no  Sudão. Mohammed Osman al Khatm fundou a “ordem” religiosa no século XVIII vindo da Arábia Saudita. A mesquita foi construída em memória de seu filho Hassan al Mirghani que ajudou a difundir os ensinamentos de seu pai e se tornou um wali -o mais próximo do Islão equivalente a santo. O túmulo de Mirghani estava situado no local da mesquita original que foi destruída por outra vertente do Islão já no século XIX.

Estupidamente não tentei sequer entrar tão deslumbrado que estava com o exterior. Tenho pois de voltar…O espaço de oração está aberto, literalmente, pois nem telhado tem devido à tal destruição. Aqui andei à vontade e inclusivé crianças brincavam às escondidas nas suas arcadas.

Senti que os não-muçulmanos são bem-vindos, mas fica sempre bem perguntar se podemos entrar ou tirar fotos. Já no ritual sufi em Ondurman me tinha surpreendido o ambiente descontraído destas tradições islâmicas sufi’s sudanesas, estava contudo longe de imaginar que tal fosse possível.

Criança brincando no interior da mesquita

Perante tanta tranquilidade e paz deixei-me estar, deixei-me estar tanto que anoiteceu. E lá fui eu de bicicleta sem conhecer nada e ver grande coisa pois a iluminação era escassa. Perdi-me durante uns bons quilómetros, mas não entrei em stress. Mais para a esquerda mais para a direita estava em Kassala, portanto não estaria a mais de 5/6km do hotel.

Deixei-me andar e assim fiquei a conhecer ainda melhor todos os recantos desta agitada cidade. Já a fome apertava e aí –“alto e pára o baile”- decido parar e perguntar onde fica o meu hotel, afinal também não era só a fome, tinha o compromisso de entregar a “bicla” e não gosto nada de falhar.

Assim foi, a custo lá encontrei o hotel e a partir dali sabia como chegar à mercearia do Ahmed. Logo à chegada, pergunta-me se está tudo bem e dá-me água. Conversamos um pouco –na medida do possível- e despeço-me, mas não sem antes insistir comigo dando-me um pacote de bolachas. Despedi-me pois de Kassala com um brilhozinho nos olhos na mercearia de Ahmed.

As despedidas são sempre dolorosas para mim e por isso evito-as, mas aqui não deu. Ahmed dá-me forte abraço e deseja-me tudo de bom. Repondo com um simples “bye-bye” virando-lhe as costas. Defendi-me apesar de tudo. Arrependo-me mais tarde e volto para trás com a desculpa de que me esqueci de comprar água. Ficou surpreendido mas creio que percebeu a ideia.

Até um dia Kassala, até um dia Ahmedo homem que me emprestou a bicicleta no Sudão!!

Eu e o Ahmed o dono da bicicleta

 

2 Comments

  • Reply

    Miguel Goncalves

    30 Agosto, 2018

    “Todas aquelas imagens, preconceitos, deitam-se por terra em poucos minutos” é muito por isto que dizes que o mundo árabe é, inevitavelmente, o sítio onde mais me deslumbro com as pessoas! Grande relato!

    • Reply

      projecto100rota

      30 Agosto, 2018

      Olá MIGUEL, obrigado por passares por aqui, somos tão bombardeados com manipulação dos media…Há dias estava a comer uma salada com couscous e hummus e perguntaram-me.” Isso é a comida dos Talibãs não é?” E eu respondi, sim é. Só para não me chatear. grande abraço!!

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