Marrocos

Tadarnot: E “A nossa família amazigh”

Marrocos

Este dia da nossa viagem a Marrocos de mochila às costas foi provavelmente aquele dia em que pensámos: “Temos de continuar a fazer isto”. Foi o clique que nos fez mudar um pouquinho a nossa forma de viajar. Cremos que foi a partir daqui que nos podemos intitular mais de viajantes do que turistas.

Mas estamos a falar de quê ? Estamos a falar de um Domingo passado com uma família berbere de uma aldeia nas montanhas do atlas, perto de   Taroudant e cerca de 200km a sul de Marraquexe.

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Bandeira berbere pintada numa rocha da aldeia

Não foi obra do acaso. Com as anteriores viagens a Marrocos tinha feito amizade com Khalid, um marroquino especialista em Tadelakt (que é uma argamassa tradicional muito utilizada em chão e paredes das casas e que por lá ainda é praticado como uma arte feita à mão).

PS: Prometo em breve um post sobre Tadelakt.

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Casa de banho feita em Tadelakt

Tinha dito a Khalid que gostava de visitar aldeias berberes nas montanhas, mas nada que fosse muito turístico. Khalid anuiu de imediato e disse-me logo que a sogra vivia numa dessas aldeias e que iríamos quando eu quisesse. Não tinha expectactivas, apenas uma vontade imensa de perceber que povo é este, o povo berbere.

Tudo combinado. Iríamos no próximo Domingo visitar a aldeia de Tadernot que fica a cerca de 60km de Taroudant, só tínhamos de alugar um carro porque Khalid não tem, e transporte público não há, só boleia com as carrinhas que vão vender ao Souk (mercado) mais próximo e de…burro. Escolhemos alugar um carro… (só porque não estávamos sozinhos!)

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Nós a caminho de Tadernat (aldeia berbere)

Passámos por paisagens de montanha muito bonitas. A estrada foi boa até Imoulass onde se realizava o Souk semanal. Fizemos aqui uma paragem para esticar as pernas, e comprar alguma fruta. Foi muito “legal”. Viu-se que era um sítio bem genuíno e sem turistas.

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Vêm os burrinhos ? É o parque de estacionamento do Souk de Imoulass

 

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Quem será o burro ? Hahaha

 

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Comprámos umas bananinhas e seguimos viagem rumo à “nossa”aldeia. A partir daqui entrámos em estrada de montanha pura e dura, terra batida alternada com pedra batida, sem Jeep. Não foi preciso, o Renult Logan portou se muito bem.

Desde Imoulass fizemos ainda uns bons 20km, muito devagarinho!

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Não há pressas, havemos de lá chegar. A montanha é despida de árvores, no entanto avistamos uma mancha verde ao longe incrustada num vale, é Tadernot, a nossa aldeia rodeada de grandes Nogueiras e outras árvores, atravessada por um riacho com água purinha da montanha !

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Sentimo-nos privilegiados por estar ali. Sabemos que “nunca tinha ido ali um estrangeiro” -segundo Khalid.

Atravessamos literalmente a aldeia. Não percebo porquê mas Khalid continua a dizer para ir em frente. Chegamos ao “fim” da estrada e Khalid diz para estacionar. Ok, já percebemos, só aqui havia lugar para colocar o carro.

Khalid diz-nos que é uma boa caminhada até à casa da sogra. Não faz mal-pensamos-isto é lindo ! Uma floresta de nogueiras, um riacho sempre a acompanhar o nosso percurso, e mulheres que vão passando carregadas com milho às costas e que nos cumprimentam efusivamente. Queremos ficar aqui !

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Dá para beber e lavar a cara!

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Começam a surgir muitas perguntas na nossa cabeça de como irá ser aquele dia. Afinal estamos entregues a uma família berbere, não sabemos nada dos seus costumes e hábitos, não sabemos como nos comportar. Irá isso ser importante ? Nada.

Chegamos à aldeia propriamente dita, as casas são feitas em pedra, fazem-nos lembrar muitas aldeias do interior de Portugal, não é assim tão diferente…

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O que é muito diferente de Portugal, é que esta aldeia ainda está cheia de vida, cheia de crianças a brincar na rua e que nos olham com curiosidade, mas só isso.

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Crianças muito fotogénicas

Khalid diz nos que o almoço está à nossa espera. Uau! Temos almoço já preparado e tudo…Notamos que não se vêm homens, apenas mulheres e crianças. Pergunto ao meu amigo sobre isso e diz-me que estão nas montanhas a guardar os rebanhos de cabras e ovelhas, e outros foram até ao Souk de burro. Também não é assim tão diferente do nosso Portugal, mas de há 30/50 anos atrás.

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Homens berberes que foram às compras ao Souk, a aldeia deles fica a 20km.

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Vem uma senhora à rua e convida-nos a entrar. A casa está cheia de gente, mulheres e crianças. São irmãos, primos e primas, tios e tias, todos reunidos à nossa volta. Fazem perguntas a Khalid em berbere, ninguém aqui fala francês. Na medida do possível lá tentamos comunicar com as senhoras. São muito abertas, afáveis e simpáticas, muito diferente das típicas mulheres árabes. Falam rápido e por vezes falam para nós como se falássemos berbere há 20 anos ! Khalid ri-se, elas e nós também, estamos em comunhão.

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Sentamos em redor de uma mesa pequenina mas com um prato bem grande de couscous com legumes e carne de vaca, acompanhado por um leite fresquinho de cabra! Elas comem à mão do prato, a nós dão-nos duas colheres. Interessante…nós não nos importávamos de comer como eles, mas tiveram a sensibilidade de perceber que se calhar a nossa prática não era muita.

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Insistiam constantemente para comermos com o movimento universal de levar a mão à boca. E nós comíamos, estava divinal !!

Com a barriga tão cheia e o cansaço acumulado ainda da nossa anterior aventura a subir o Toubkal o sono chegou. Mais uma vez estas senhoras tão amáveis disseram para me recostar, e assim fiz, durante 20m dormi uma bela sesta enquanto Carla filmava a musicalidade da língua berbere.

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Passámos uma tarde em beleza, um Domingo em família, sem TV, sem telemóveis, sem internet, sem nada para comunicar eainda assim comunicámos tanto…

Khalid acertou na mouche ! Era mesmo esta experiência que tinha visualizado um dia poder ter. Confirmei tudo o que tinha lido (que era muito pouco) sobre os berberes, pareceram-nos diferentes dos árabes sem dúvida, apesar de já partilharem muitos costumes. A mulher aqui tem uma importância extrema na casa e no cultivo, ela também manda !

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Meus caros é muito por isto que ficámos apaixonados por viajar de forma livre e independente, nada disto seria possível se andássemos atrás de grupos com horas marcadas, é diferente, respeitamos, mas não é para nós.

Temos saudades do lugar mas sobretudo desta gente tão generosa e que é muito sábia, mesmo sem diplomas. Iremos voltar em breve, sem dúvida, quem sabe com uma parceria com o Projecto100rota…

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Obrigado Tadernot !

 

22 Comments

  • Reply

    Itamar Japa

    26 Novembro, 2016

    uau! Que experiencia fantástica, tenho certeza que vai ficar marcado em suas memórias para toda a eternidade! Adorei!!! Parabéns!!

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Ficará sim ! Boas viagens !

  • Reply

    Rafael

    26 Novembro, 2016

    Com certeza foi uma experiencia enriquecedora, um dia quero conhecer e ja estara no meu roteiro, imagino estar por ai, deve ser uma loucura. Parabens pelo post

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Obrigado Rafael, boas viagens !

  • Reply

    Rui Baptista

    26 Novembro, 2016

    Vocês sabem contar histórias 🙂 Mais uma vez, gostei muito. Parabéns! E tudo bem ilustrado com fotos à maneira 🙂 Espero pelo próximo “conto”…

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Ainda bem que gostou Rui ! Boas viagens !

  • Reply

    Juliana (www.turistando.in)

    26 Novembro, 2016

    Uau!
    Que experiência interessante essa de vocês! Adorei o texto e as fotos!
    Obrigada por compartilhar esse teu relato!
    Abraços,

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Obrigado ! Ainda bem que gostou, boas viagens !

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    Flávia Donohoe

    26 Novembro, 2016

    que post interessante, eu nem imaginava que ainda existia comunidades deste jeito, deve ser algo memorável de se fazer, e que fotos inspiradoras. abraços

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Existem pois ! Boas viagens !

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    Josiane Bravo

    27 Novembro, 2016

    Que viagem mais incrível. Adorei ler esse relato e ver essas fotos maravilhosas 🙂 Marrocos está na listinha dos países que mais tenho vontade de conhecer na África.

    Ah, que experiência bacana essa de comer com as mãos, achei interessante que a família ofereceu os talheres, mostra que são bem hospitaleiros.

    Abraços

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Tens de conhecer Josiane ! É pertinho…de Portugal hahah Boas viagens !

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    Pedro

    27 Novembro, 2016

    Que experiência deliciosa, Francisco! É sempre tão bom poder ter experiências autênticas e enriquecedoras como esta!

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Foi mesmo Pedro, Boas viagens !

  • Reply

    Katarina Holanda

    27 Novembro, 2016

    Uau!! Deve ter sido um passeio incrível. Tenho muita vontade de conhecer o Marrocos. Amo cuscuz, mas só comi o nordestino e o paulista, deve ser um pouco diferente, haha. Embora no Nordeste a gente também coma com leite. 🙂

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      hahaha o Nordestino não conheço eu ! Boas viagens !

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    Julia F. H. Sawaki

    27 Novembro, 2016

    Uau, que experiência incrível. Adorei ler esse post, foi como se estivesse vivendo aquele momento com vocês. Parabéns e obrigada por compartilhar essa linda história. Abraços

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Ainda bem que gostou Julia, obrigado, boas viagens !

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    Contramapa

    27 Novembro, 2016

    Muito bom relato! Adorei todos os vossos artigos acerca de Marrocos, muito autêntucos 🙂 E agora comia um pouco desses couscous, nem que fosse com a mão!

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Também já comia !! Obrigado Diana !! Boas viagens !

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    Excelente post. Marrocos é um dos meus países de eleição e também por isso gostei bastante de ler a vossa história. Isto sim é viajar…. conhecer realmente os habitantes.

    • Reply

      projecto100rota

      28 Novembro, 2016

      Obrigado Catarina, Boas viagens !

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