Vila de Coja ao fundo com destaque para a sua Igreja Matriz vista sobre a praia fluvial do caneiro
PRELÚDIO POR Francisco Agostinho:
Imaginem comigo; num dia viviam num sítio rodeado de montanhas, florestas verdes cheias de vida, de cor, e com um cheiro perfumado da natureza no seu esplendor, no outro dia acordam impregnados de cheiro a fumo, queimado, morte, desolação, cinza e preto.
E a angústia maior ? Saber que nada mais será igual no dia a seguir e muito dificilmente ainda nas nossas vidas.
Esse lugar, ou melhor, um desses lugares é Côja, uma vila no sopé do Açor carinhosamente apelidada de Princesa do Alva.
A Sara Andrés é uma jovem que cojense que viveu em Lisboa até aos 12 anos e que vinha regularmente passar férias à terra dos seus avós. Deixou-se apaixonar pela serra, pelo rio, pelas gentes, pelos Verões quentes e pelos Invernos rigorosos, até que se estabeleceu aqui de armas e bagagens trabalhando como freelancer de design gráfico dando o seu contributo numa marca de produtos inspirados pela serra, e também generosamente ajudando a explorar o quiosque de informações turísticas da terra.
Recentemente com a tragédia dos incêndios que abalou por completo aquela região, arregaçou as mangas e pôs mãos à obra agindo em prol do renascimento das cinzas de uma zona do país já um pouco esquecida pelos sucessivos governos. A Sara é um grande exemplo de acção e generosidade, por isso mesmo quis dar o seu contributo com este artigo escrito, ajudando no que for possível a dar mais voz ainda esta terra, a Princesa do Alva, a renascer das cinzas.
VIAGENS NA NOSSA TERRA POR Sara Andrés, Côja e a sua região.
A ribeira da Margaraça desce serenamente a Serra do Açor, regando as suas verdejantes margens de vida. Segue o seu percurso atravessando algumas aldeias de xisto, onde por vezes ainda se consegue cheirar o suave aroma do sabão azul e branco. É um veio de ouro líquido que vai serpenteando a paisagem até chegar à sua foz com o Ri Alva, e foi precisamente no local deste encontro mágico que nasceu a vila de Côja.
Vista geral sobre Coja – Ponte sobre o rio Alva e ponte da Ribeira da Mata da Margaraça (ou
do Senhor). No fundo, a Serra da Estrela com neve. Foto de Rui Lopes Silva
Começar pela água é começar pela génese da vila. Os primeiros povos estabeleceram-se neste vale privilegiado certamente para fugir à dureza da vida nas encostas serranas mais secas e isoladas, e para explorarem a fertilidade e riqueza das terras.
Especula-se que tenham sido os árabes a baptizar a vila como “Copje”, que significaria “cidade do pretor”, cargo que denuncia uma importância considerável. Antes disso, em tempos Lusitanos, passaram por aqui os romanos, e deixaram alguns vestígios; um marco de Teodósio, cujo granito perdurou até hoje, e que pode ser visto na capela da Nossa Sra. da Ribeira. Esta capela, cuja fundação se estima ter sido no século XVI, situa-se na margem de uma via romana que partiria de Aeminium (Coimbra) e seguiria pela Serra do Açor em direcção a Idanha-a-Velha. Nesta via poderíamos ver passar carros de bois carregados com produtos como sal, louças, presuntos e enchidos.
Ainda antes de nascer Portugal, ter-se à erguido um castelo em Côja, perto do local onde se situa a actual união de Freguesias de Côja e Barril de Alva, mas a memória deste perdeu-se nas batalhas medievais e no tempo, e as suas pedras estarão espalhadas em construções um pouco por toda a vila.
A modernidade e a indústria floresceram no início do século XX, com especial relevo para a Empresa Cerâmica da Carriça, e a construção do Aeródromo Eng.Sebastião Ferrão. Ambos, são hoje apenas fantasmas desses tempos áureos.
Vista geral de Coja. Na distância conseguimos avistar a terra batida a cortar a paisagem, no local do
Aérodromo. Foto de Rui Lopes Silva
Ao falarmos no presente em Côja, ouvimos alguns ecos bem acentuados do passado mais longínquo. Continuamos a viver de algumas matérias primas locais e de comércio, e ainda somos um ponto importantíssimo de passagem para a Serra do Açor. A gastronomia transporta consigo uma intemporalidade incrível; imaginemos por momentos, enquanto degustamos alguns queijos e enchidos locais, os carros de bois de que falei atrás, a percorrerem a via romana, transportando esses mesmos produtos.
Bucho Recheado, um dos enchidos mais típicos da região. Talho Fernandes, Coja – Foto de Sara
Andrés
O rio Alva continua também a ser um dos principais motores da economia local, oferecendo aos residentes e visitantes a frescura das suas águas em duas praias fluviais; a dos Moínhos de Alva, tosca e pitoresca, onde nos podemos perder no tempo visto não possuir infraestruturas de apoio nenhumas, e a praia fluvial do Caneiro.
Falar de Côja ou de qualquer vila ou aldeia do interior, é falar deste contraste. É falar do silêncio absoluto das noites de inverno, em contraste com as noites animadas de verão. Contudo, existe um local onde sempre há vida durante o dia; a Praça, o ponto central onde alguns se demoram nas esplanadas e outros passam apressadamente nos seus afazeres. É aqui, e na rua “principal” que passa junto, que se distribui a maioria do comércio.
Dizem os de cá e quem por cá passa, que a atmosfera da praça é única e verdadeiramente aconchegante. As casas históricas em redor contribuem para este ambiente, sendo a Casa Brasonada, mais conhecida como Solar, a mais antiga deste género na vila, datada do século XVII. Para adicionar à beleza histórica do local, temos também o Pelourinho Manuelino, que representa a importância e a autonomia da vila enquanto sede de concelho, conforme atesta o foral de 1260. Esta importância autárquica extinguiu-se a meio do século XIX.
Da Praça podemos subir até à Igreja Matriz de S.Miguel, que foi erigida no mesmo espaço da antiga Igreja Paroquial. Uma inscrição tumular presente na Capela-Mor de 1543 revela a antiguidade deste local de culto. (De momento, se quiser visitar o seu belíssimo interior, terá que o fazer nos horários regulares das celebrações.)
Igreja Matriz de S. Miguel. Coja – Foto de Rui Lopes Silva
Descer da Igreja até à rua principal pela rua do Adro, e seguindo pela rua Dr. Adolfo Correia da Fonseca- onde se encontra o busto e casa do Dr.Alberto do Vale- é a título pessoal, um dos percursos mais belos da vila.
Do varandim onde se encontra o busto, podemos avistar o ex-libris da vila, a ponte românica sobre o rio Alva. Esta foi o palco de um episódio de relevo aquando das Invasões Francesas em 1811, tendo sido o primeiro arco da margem direita cortado, impedindo assim a passagem das tropas invasoras. Enquanto os soldados se precipitavam para o rio, eram também atingidos por atiradores que se posicionaram nas janelas da casa do Dr. Alberto do Vale.
Vista geral do rio Alva. Ponte românica sobre o rio Alva e a casa do Dr. Alberto do Vale,
logo abaixo da Igreja Matriz. Coja – Foto de Rui Lopes Silva
A “segunda” ponte de Côja, a ponte do Senhor da ou da Ribeira, de construção relativamente recente, figura quase como um portal, construída exactamente sobre a foz da ribeira da Mata, desaguando no Alva.
Do seu tabuleiro avistamos o Parque Verde do Prado, o ponto de lazer, e de partida para quem chega à vila. É aí que se situa o parque de estacionamento, WC público, um Centro de apoio a BTT da rede das Aldeias de Xisto, e um quiosque de informações turísticas.
Ribeira da Mata, Parque Verde do Prado – Foto de Rui Lopes Silva
Muito mais há para visitar em Côja, pequenas estórias, lendas e curiosidades históricas acerca de cada monumento e recanto para contar; mas ficamos por aqui, em cima da ponte da Ribeira a contemplar o Alva que vai correndo calmamente em direcção ao Mondego. Afinal, é este o postal da vila.
Ponte sobre o rio Alva – Foto de Rui Lopes Silva
Daqui avistamos a Serra do Açor. Mas desta vez o coração dói, dói porque poderia dizer-vos que ao subir a montanha veriam as serras e os seus vales cobertos pelo verde do arvoredo e de toda a vegetação nativa, pelo violeta da urze que resulta no mel escuro de sabor intenso, típico da região, o amarelo torrado das carquejas e das giestas…
A verdade é que a serra está ferida, e essa ferida estendeu-se até Côja, e até muitos outros lugares lindíssimos. Já correu muita tinta acerca dos incêndios de Outubro de 2017, sobre as suas causas e consequências. Não me vou alongar acerca dos porquês, e de “ses”, de nada adianta.
Agora, só nos resta agir. Nós que estamos cá permanentemente, e vocês, que estão longe. Agir é ajudar a natureza a regenerar-se, reflorestando e controlando as espécies invasoras. Agir é explorar o interior, as suas vilas, as suas aldeias ricas em história, cultura, tradições, e fundamentalmente em histórias humanas, com doses enormes de coragem e resiliência.
Agir é comprar local, é comprar típico e genuíno, é sentarem-se à mesa dos restaurantes locais e degustarem os pratos típicos da região. Agir é gritar aos sete ventos que existe um grande valor e riqueza no interior de Portugal, que pequenas jóias como a vila de Côja são importantes, e que para além de investimento externo, precisam também que os próprios órgãos de soberania autárquicos e centrais avaliem correctamente esse valor, e não se toldem por pequenas casmurrices bairristas. Gritar que todas as aldeias e todas as vilas são maravilhas, e não apenas uma, cuja projecção já é mais do que suficiente…
Agir é…sentir a natureza que está em nós, cuidar dela, e demorar-nos por cá o máximo que conseguirmos.
Mapa turístico de Côja por Sara Andrés
Côja: Ponto de partida para a descoberta da Serra do Açor
Partindo de Côja, são muitos os circuitos disponíveis sendo o mais popular o que culmina na aldeia histórica do Piódão, passando pela aldeia do Xisto da Benfeita, na cascata Fraga da Pena, e pela Mata da Margaraça.
Também poderá fazer este percurso seguindo de Côja em direcção à aldeia da Esculca, disfrutar de uma das mais belas vistas da região -com sorte avistará bem no horizonte a Serra do Caramulo. De seguida, pode continuar até à aldeia da Benfeita, aldeia de Luadas e parar para degustar a Serradura, uma bebida alcoólica bastante famosa localmente. Mas isto é segredo nosso, sim ?
INFORMAÇÕES ÚTEIS:
Praias Fluviais:
– Caneiro de Coja (40º16’01,3”N7º59’42,0”W)
– Moínhos de Alva (40º16’27.8”N7º59’02,7”W)
Info. Turismo:
– UF Coja e Barril de Alva: 235 721 379
– Coja – Quiosque: 910 344 811
– Posto de Turismo de Arganil: 235 200 137
Onde Comer?
– D’aqui e D’acolá: 969 646 454 -Produtos regionais, vinhos e petiscos.
– Steak House: 962 668 068
– Cantinho do Petisco: 964 186 137
– Lagar do Alva: 235 721 640
– Prensa da Ribeira: 235 729 614
– Princípe do Alva: 914 210 865
Onde Dormir?
– Residencial Victocális: 235 729 383
– Casas da Coutada: 914 553 352
– Casa de Verão: 969 214 020
– Casa da Fonte Nova: 912 535 456
– Casinha do Arco: 965 239 07
Como chegar:
Janete
17 Março, 2018Parabéns por esta rubrica. Agora mais do que nunca faz sentido divulgar e captar a atenção para o que há de melhor nessa zona tão massacrada do nosso país.
projecto100rota
18 Março, 2018Obrigado Janete, vamos fazer por isso!!
Marlene Marques
17 Março, 2018Realmente os incêndios que assolaram o país no ano passado deixaram feridas no nosso território. Algumas que vão demorar a sarar. Por isso, é importante divulgar estas terras, estas aldeias e cidades que foram afetadas. Visitá-las é ajudá-las a regressar ao que eram.
projecto100rota
18 Março, 2018Obrigado por passares por aqui Marlene!;-)
Michela Borges Nunes
18 Março, 2018Que post lindo e inspirador. Meu sentimento ao ler aqui sobre a vila de Côja é de que parece aquele lugarzinho tranquilo, que transmite paz, gostoso de se passar e viver. Fiquei aqui imaginando a praça que não para com as pessoas passando com pressa e outras se perdendo no tempo, apreciando o local. Queria estar lá, apreciando também todas estas sensações. Gostei demais e espero que logo tudo esteja recuperado. Obrigada pelo lindo texto.
Maíra Silveira
18 Março, 2018Preciso, antes de tudo, dizr que esou apaixonada pelas fotos. Que lindas! e que lugares incríveis! Fiquei impressionada e inspirada a visitar Vila de Côja e torcer pela recuperação do local. O turismo ajuda muito nesse sentido e é importante essa divulgação. Parabéns
Luciana Rodrigues
19 Março, 2018Parabéns por um ato de coragem e solidariedade com uma terra tão linda. Me deu vontade de conhecer a Vila de Côja e suas gentes.
NiKi Verdot
20 Março, 2018Parabéns por este post. A natureza é mesmo imprevisível. Côja parece mesmo um lugarzinho incr;ível.. Espero que se recupere logo. Fiquei muito curiosa para visitar não apesar esta Vila, como também a aldeia histórica do Piódão.
maria costa
21 Março, 2018Cara: a ribeira que tem a sua foz em Coja chama-se Ribeira da Mata.
O marco miliário é do tempo do Imperador Teodósio, morto em 395. O resto está enterrado…algures.
A igreja/capela de Nª Srª das Neves, ou da Ribeira, é anterior ao séc XVI -tem uma reconstrução do séc. XVI.
Esqueceu-se da ponte românica, sobre a ribeira da Mata, que nem se nota de tão disfarçada; e da coluna visigótica, que ainda hoje sustenta uma casa.
A ponte sobre o Alva não é românica, é de estilo clássico (imitação do romano) -será do século XVI como a da Mucela?
Mas dou-lhe os meus parabéns por investigar e publicar. Talvez daqui a algum tempo haja algo que trará Coja para a ribalta.
projecto100rota
23 Março, 2018Muito obrigado Maria por passar por aqui!
Edson Amorina Jr
22 Março, 2018Mas que lugar mais lindo, adorei as fotos com suas luzes e sombras. E olha… eu comeria esse bucho fácin… rs
carla
23 Março, 2018gostei muito, belo registo para memória futura.
projecto100rota
23 Março, 2018Obrigado Carla!
Wandering life - Catarina Leonardo
23 Março, 2018Sem dúvida uma história muito triste, que acontece muito do nosso país. Vemos nas notícias estes casos de vida, mas lendo especificamente toca muito mais… Não conheço Coja, mas deve ser bem giro.
projecto100rota
23 Março, 2018Pois é um sítio bem giro para ires com a fofita hahaha
Ana
24 Março, 2018Que magnífico texto, o da Sara. Não conhecia a vila de Côja e, depois de ler isto, a curiosidade que ficou é muita. Este é também um «grito de socorro» por todos aqueles lugares que foram afectados pelos incêndios de 2017 e que não mereceram tanta atenção. Parabéns à Sara, pelo texto, e a ti Francisco, pela iniciativa, pelo espaço que aqui lhe cedeste.
projecto100rota
27 Março, 2018Obrigado Ana, a propósito…falamos para escreveres um artigo sobre a tua terra ??
angela sant anna
28 Abril, 2018adorei essas fotos tiradas com o drone, dá uma vista mais completa do lugar! em especial a da segunda” ponte de Côja, me deu vontade de comprar minha passagem praí agora mesmo! gostei muito do design dos mapas, bem animados!