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Assistir ao ritual muçulmano Sufi em Ondurman | SUDÃO

Em todo o meu “planeamento não planeado” da minha viagem ao Sudão, só havia dois lugares que eu tinha como “obrigatório” visitar. A saber: As pirâmides de Meroe, e assistir ao ritual Sufi que acontece todas as Sextas-feiras nos arredores da poeirenta capital sudanesa, Cartoum.

Vou mais longe. Como sou um aficionado por assistir a demonstrações sociais sejam elas religiosas, desportivas ou até políticas, estar aqui em Ondurman a uma Sexta feira era para mim mais importante do que propriamente ver outra coisa. Talvez por ser alguém que nestes assuntos será demasiado racional e pragmático –para não dizer céptico- fascinam me de uma forma especial estas manifestações.

Apesar de ter apanhado boleia de mota desde o centro da capital, junto ao Museu Nacional do Sudão chegarao evento que se realiza todas as Sextas ao fim da tarde -excepto no ramadão-não foi fácil. Mesmo tendo sido muito generoso, o motociclista deixou-me ainda um pouco afastado do local de culto pelo que tive de ir perguntando a pé onde se realizava a cerimónia. O plano até parecia era interessante…acontece que das três uma:

1-Eu não soube explicar devidamente o que pretendia.

2-Muitos não sabiam onde realmente era.

3- Outros não queriam mesmo saber. (Mais abaixo explicarei o porquê)

Lá deambulei de trás para a frente, insisti, abanava com a cabeça ao estilo da dança…riam-se, apontavam para um lado, e para o seu contrário e eu sem saber a localização ria por fora mas “chorava” por dentro.

A minha experiência no entanto falou mais alto e mantive a serenidade, sabia que mais tarde ou mais cedo iria aparecer alguém que me soubesse guiar. Assim foi. Não estava longe e um simpático proprietário de uma espécie de café chamou um tuk-tuk, pagou-lhe e deverá ter-lhe dito: “Leva este gajo que anda por aqui perdido a chatear-me até ao túmulo de Hamed Al-Nil”- De tudo só percebi…Hamed al-Nil e foi aí que senti que era desta.

O local à minha chegada

O cemitério muçulmano sufi e túmulo do líder sufista Hamed al-Nifica situado a uns bons 6/8km do centro da capital na área metropolitana chamada de Ondurman. Basicamente é uma outra cidade esta do outro lado do Rio Nilo, conhecido por este evento mas também por ter um dos maiores mercados do mundo e ter sido aqui travada a famosa Batalha de Ondurman contra os impiedosos ingleses no século XIX.

Não estive com rodeios  e enfiei-me literalmente no meio da multidão. Parecia que estava sedento de ter uma experiência assim. Foi místico, psicadélico, louco e curiosamente para mim, relaxante.

É uma vertente do Islão a que estamos pouco habituados a assistir. Espiritualidade, dança, música, sorrisos, canto. Pelo menos com esta intensidade, daí creio,  muitos muçulmanos sunitas –que são a maioria no Sudão– não os vejam com olhos muito simpáticos, isso, e  também tenham “dificuldade em me informar onde raio era a cerimónia.

Os Sufis por aqui contemplam e adoram esta “espécie” de santo o seu ex-líder religioso Hamed AL-Nil para assim através da dança, oração ou canto chegarem mais facilmente ao grande “Allah“. Aqui reside uma das grandes diferenças para com os seus irmãos muçulmanos sunitas que jamais adorariam outra personagem a este nível que não o próprio grande “Allah”.

Túmulo de Hamed Al-Nil à direita

Tudo começou com uma procissão –que irrompeu não sei bem de onde– acompanhada de bandeiras verdes e vermelhas ao som de tambores e de aparelhagens.Os cânticos eram repetidos e as danças pareciam me espontâneas.

Senti-me sempre bem-vindo. Aliás, muitos locais interagiam comigo não só perguntando-me de onde era mas também com um esforço louvável tentavam explicar-me o que se passava.

Procissão que dá início ao ritual

O entusiasmo e brilho nos olhos daquela gente tocou-me e fiquei ali agarrado até ao pôr do sol que é como quem diz, até ao fim. O “palco” é um largo em terra que está mesmo de frente ao túmulo. Fez-se uma roda e quem se sentisse com coragem para entrar na “onda” poderia fazê-lo desde que se descalçasse, independentemente da sua religião ou não-religião. Foi só mesmo este requisito do descalçar que me impediu…Sim, verdade, juro.

Onde “quase” tudo pode acontecer

Eram personagens, atrás de personagens. Velhos, novos, boas roupas, rotos e esfarrapados. Isto também é o Islão e foi uma boa prova para mim de que a religião muçulmana tal como outras não é um monólito é extremamente variada e está em mutação.

Sempre boa disposição, sempre a desafiarem-me para “ir de encontro ao meu DEUS” não importava qual, apesar dos cânticos –segundo os locais- dizerem que “Allah é grande e único”. Ali pareciam sentirem-se livres, seja lá o que isso for para cada um ninguém os julgará, nem que não seja por breves minutos e isso acho faz bem a qualquer ser humano, não ? Respect!

Adorei visitar as pirâmides de Meroe, as de Karima e até o Museu Nacional do Sudão. Mas perdoem-me, são experiências assim que mais me ficam guardadas na memória, que me fazem o coração palpitar e os olhos brilhar. São tardes como esta, em que as conversas surgem por acaso, e outras que tive o privilégio de vivenciar e que quero partilhar convosco em breve. É criar história, não apenas olhar.

Até Já!!!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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